Sala dos Professores
Da competição à colaboração: repensando a cultura escolar
Por: Cristina Lage de Francesco
No dia 19 de novembro, participei de um webinar intitulado Transformation in Schools. Sua premissa central era que uma transformação significativa exige que a cultura escolar migre da competição para a colaboração. Essa ideia ressoou profundamente em mim, trazendo imediatamente à mente diversas experiências do meu trabalho como educadora.
Vivenciando a competição
Começo com uma experiência difícil que tive como tutora de classe. Há alguns anos, tentei incentivar um dos meus grupos a refletir sobre como a competição entre eles estava criando um ambiente de aprendizagem tóxico. Em uma de nossas sessões, mencionei que alguns alunos haviam manifestado preocupação com a constante comparação de notas, rankings e desempenho acadêmico. Sem surpresa, aqueles que se sentiam excluídos eram justamente os rotulados — de maneira implícita ou explícita — como “alunos fracos”.
Quando levei a questão ao grupo inteiro, a reação deles foi marcante. Muitos argumentaram que a própria escola era responsável por estimular essa competitividade, alegando que apenas reproduziam o sistema que lhes era imposto. Alguns foram ainda mais longe, afirmando que eliminar a competição era irrealista porque “o mundo lá fora é implacável” e “só os mais fortes sobrevivem”. Ressaltaram que, no mercado de trabalho ou no vestibular, a colaboração não os ajudaria; seria necessário superar os outros.
Como tutora e educadora, saí daquele encontro devastada. Muitas perguntas ecoaram na minha mente: Até que ponto eles tinham razão? Será que reforçamos essa mentalidade sem perceber? Quem os ensinou a enxergar o mundo dessa forma? E — talvez a pergunta mais importante — o que poderíamos fazer para mudar esse cenário?
Naquele momento, eu tinha poucas respostas e muita preocupação.
Vivenciando a colaboração
Mas a educação não se resume a desafios. Ao longo da minha carreira, também testemunhei exemplos poderosos de solidariedade, empatia e trabalho em equipe. Um dos mais claros é o projeto Mock Trial, desenvolvido pelo Departamento de Inglês com os alunos do final do Ensino Médio. Nessa atividade, grupos encenam o julgamento de um caso real, assumindo papéis e construindo argumentos de forma colaborativa.
Já vi apresentações extraordinárias — performances que celebravam as identidades, vozes, crescimento e aprendizagem dos estudantes. Eles mergulham nos personagens, mas, mais importante ainda, descobrem que o sucesso não é fruto de uma jornada individual. Por meio do diálogo e do esforço coletivo, constroem um senso de unidade. Quando se sentem seguros, apoiados e valorizados, alcançam seu potencial máximo.
Mas por que isso funciona? Por que a maioria se envolve e se compromete tanto? Com base no que observei, as apresentações mais fortes se apoiam em três pilares: um objetivo comum, um ambiente de confiança e uma colaboração genuína, na qual cada pessoa contribui de forma significativa.
“Na sua escola, a colaboração é autêntica ou simbólica?”
Voltando ao webinar, uma das perguntas feitas pela palestrante me deixou intrigada: A colaboração na sua escola é autêntica ou meramente simbólica? Na hora, tive dificuldade em responder. Agora, refletindo melhor, acredito que a realidade está longe de ser binária. Já testemunhei colaboração autêntica — alunos e professores trabalhando juntos para criar coisas extraordinárias. Mas também vi a ilusão da colaboração, quando falamos com frequência sobre interdisciplinaridade, mas temos dificuldade de ir além das boas intenções.
Por que isso acontece? Falta de tempo? Ou estaria relacionado ao sistema mais amplo, o mesmo sistema criticado pelos meus antigos tutorandos? Um sistema que trata as disciplinas como compartimentos isolados; que valoriza respostas certas acima de erros significativos; que prioriza resultados mais do que processos; que ecoa a lógica da escola do século XIX mesmo tentando atuar no século XXI.
Todos esses fatores podem ser verdadeiros, mas sistemas não são entidades abstratas. Nós os criamos. E podemos reformá-los também. Transformar não é simples, mas com intencionalidade e consistência, é possível migrar de uma cultura de competição para uma cultura de colaboração.
Não pretendo ter uma fórmula pronta ou um roteiro infalível. Continuo aprendendo — todos os dias. O que posso oferecer, entretanto, são algumas reflexões do webinar e da minha própria trajetória como educadora.
Criando condições para a colaboração
No fim das contas, transformar a cultura de uma escola significa fortalecer seu senso de comunidade — um lugar onde o pertencimento é cultivado, a união é construída intencionalmente, a voz é encorajada e a segurança é sentida por todos. Quando alunos e professores vivenciam essas condições, a colaboração deixa de ser um ideal abstrato e se torna uma realidade concreta. Esse é o tipo de ambiente em que a aprendizagem floresce, as identidades são reconhecidas e todos têm a oportunidade de crescer juntos.
Como afirma o historiador israelense Yuval Noah Harari, no nível individual, mal conseguimos nos distinguir de outras espécies. Coletivamente, no entanto, somos capazes de criar e revolucionar sistemas. E é justamente essa força coletiva que permite que comunidades de aprendizagem se reformem, se reinventem e avancem rumo a culturas mais humanas e colaborativas.



