SALA DOS PROFESSORES

Clube de leitura do Cervantes Solidário
Disseminando o gosto e o valor da leitura

Por: Alexandra Onias (profª Leki) | 3 de março de 2021.

O projeto Cervantes Solidário tem desenvolvido, há anos, por meio de intervenções educativas, uma série de habilidades nas crianças e adolescentes das comunidades atendidas pelo Colégio Miguel de Cervantes. Uma grande preocupação do colégio é que os alunos se envolvam com o mundo literário e que isso traga significado para o cotidiano de suas vidas. Como professora que atua nas aulas de arte educação e nas oficinas de linguagem desde 2013, promovendo o hábito da leitura, estimulando a prática da escrita e ampliando o repertório literário dos estudantes do ensino fundamental, percebo que eles se interessam cada vez mais pelos livros e pelas histórias que contam, aprimoram sua interpretação de texto, ampliam o uso do vocabulário e, como consequência, melhoram seu comportamento social.

Sabe-se que as histórias contadas ou lidas são uma importante ferramenta na formação da identidade de toda criança/adolescente. Elas ajudam a conhecer o mundo, a reconhecer valores, a desenvolver a imaginação, além de ampliar a capacidade cognitiva e a inteligência emocional. As histórias também podem ser uma valiosa oportunidade para momentos de maior vínculo entre os pertencentes a algum grupo.

Ouvir e ler histórias oportuniza desenvolver o espírito crítico das crianças e permite que elas pensem, desafiem, perguntem, critiquem o que foi lido ou contado, tenham suas próprias ideias, formem sua opinião. As histórias estimulam o desenvolvimento de funções cognitivas importantes para o pensamento, tais como a comparação (entre as figuras e o texto lido ou narrado), o pensamento hipotético, o raciocínio lógico, as relações espaciais e temporais (posto que toda história tem princípio, meio e fim).

Com base nessa realidade, iniciei uma trajetória cujo intuito é o de encorajar o hábito da leitura. A princípio não foi tão fácil, pois tivemos alguns desafios a superar, principalmente no que diz respeito à visão que eles tinham sobre o livro. Eles não cultivavam uma cultura de leitura, não viam o livro como um aliado para o desenvolvimento, como uma possibilidade de conhecer mundos novos, abrir o imaginário. Ao contrário, encaravam o livro como algo chato e sem valor (razão pela qual faziam comentários tais como “Nossa, mas são muitas páginas”, “A letra é pequena”, “Tenho que ler tudo isso”).

Começamos, então, o Clube de leitura. Esse projeto foi criado com o objetivo de incentivar a leitura para os alunos, possibilitar a troca de pareceres sobre os livros, proporcionar conhecimento literário, promover a democratização do acesso à leitura, contribuir para a formação de um público leitor, crítico e criativo, além de incentivar o debate, a interação e a socialização do conhecimento formando mediadores de leitura. Normalmente nos reuníamos uma vez por semana, em grupos de 10 a 15 jovens. Cada aluno escolhia um livro da biblioteca e levava para ler em casa, podendo ficar até um mês com ele (se necessário aumentávamos o prazo). A escolha da leitura muitas vezes era feita pela capa do livro ou pela sinopse escrita atrás. Os encontros tinham como propósito discutir sobre o livro que eles acabaram de ler, ou estavam lendo, e expressar suas opiniões, críticas etc. Com frequência, uns indicavam livros aos outros.

A participação na Feira do Livro do Colégio Miguel de Cervantes, que ocorre todos os anos, foi um estopim para que o projeto tivesse sucesso. A ação acontece da seguinte forma: alguns alunos do Cervantes Solidário são selecionados, por interesse na leitura e envolvimento no projeto, para realizar um trabalho em parceria com alunos do colégio. Desenvolvemos parte do projeto proposto pelas professoras regulares de acordo com as nossas possibilidades. Um dia, na última semana, unimos os dois grupos – o solidário (8 alunos por ano, com os quais sempre trabalhamos com 2 livros/2 anos) e o do colégio (uma sala do ano escolhido) – para fazer uma atividade interativa. 

A visita à feira tem o objetivo de propiciar o conhecimento de novos livros, autores e editoras. Os estudantes assistem às palestras designadas (dos livros lidos por eles) e também as que suscitam interesses próprios, podendo fazer perguntas aos autores, além de visitar os stands onde estão os projetos realizados pelos alunos sobre a leitura dos livros escolhidos. Eles adoram participar desse evento.

No ano de 2020, o projeto teve uma parada, mas estávamos preocupados em manter o interesse dos alunos. Se num contexto comum os benefícios da leitura já são significativamente conhecidos, eles se intensificam em uma situação adversa como a que vivemos, em que o distanciamento social e as aulas remotas impactam diretamente na aprendizagem e no desenvolvimento dos alunos em geral.

A pandemia e o ensino a distância nos trouxeram um questionamento sobre como prosseguir no processo de incentivo à leitura, já que os alunos das escolas públicas e CCAs (Centro para Crianças e Adolescentes) não têm um bom acesso à internet e muitos sequer possuem computadores. Tendo em vista tal realidade, decidimos nos conectar a eles por meio dos celulares dos seus responsáveis (via WhatsApp) e criamos a rádio Cervantes Solidário. No primeiro semestre, foram propostos áudios que traziam contos da literatura brasileira e estrangeira narrados por mim e musicalizados pelo professor Portela. Já no segundo semestre, preparamos um programa que apresentava um copilado de lendas, músicas, trava línguas, parlendas e brincadeiras, ou seja, parte da cultura popular brasileira.

Esses áudios eram postados semanalmente no grupo de WhatsApp dos responsáveis. Propúnhamos que os alunos interagissem por meio de produções escritas, desenhos e áudios. Houve uma boa participação dos estudantes. Desse modo, foi possível proporcionar a manutenção do interesse que tinham pela literatura, pelas histórias e pelo conhecimento literário e cultural.

Agora, em 2021, surge um novo desafio: continuar o projeto Clube de leitura com todos os protocolos exigidos nas escolas e CCAs onde atuamos. Voltaremos à prática da leitura, mas antes há uma inquietação que nos aproxima da prática da escuta. Aos poucos teremos um histórico das vivências obtidas e, por meio desse registro, escolheremos livros acolhedores para esses estudantes que perderam aulas, perderam contato humano e, em alguns casos, perderam também pessoas queridas.

Depoimentos de alunas do CCA São Mateus, Jardim Jaqueline:

“Participar do Clube de leitura foi maravilhoso!!!  Experiência única que despertou em mim o interesse pela leitura e pelo conhecimento intelectual… Agradeço imensamente por tudo. Daqui pra frente jamais irei largar um livro”
Luciene Cardoso da Silva, 15 anos

“A primeira saga de livros que eu li na vida foi Percy Jackson. O primeiro livro da mesma (O ladrão de raios) eu peguei no CCA, no clube de leitura que a Leki fazia com a gente. Isso me deu abertura para o universo literário e me trouxe mais interesse em ler.”
Beatriz Alves, 14 anos

Alexandra Onias Educadora, graduada em Magistério com especialização na Educação Infantil, licenciada em Pedagogia pela Universidade São Marcos. Concluiu o curso de extensão universitária: Pedagogia por projetos de trabalho no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Atriz, realizou o curso de formação de ator no Centro Cultural Saavedra, Buenos Aires e no Teatro Pirandello, SP. Contadora de histórias e cocriadora da Cia Leque de histórias.
Atuou no grupo Musicantes durante dez anos; com a coordenação do musicólogo Carlos Kater; elaborou e atuou em apresentações sobre a Cultura Popular Brasileira em escolas, hospitais, instituições, SESCs, parques, praças públicas, brinquedotecas e bibliotecas municipais.
Atualmente, trabalha como professora de reforço escolar (Oficina de linguagem) e arte-educadora no Projeto Social Cervantes Solidário, Colégio Miguel de Cervantes.